sábado, 30 de março de 2013

NÃO SEJAMOS CÚMPLICES DO HOLOCAUSTO PASCAL



Estamos na Páscoa. Se nos libertarmos um pouco das mil distracções e preocupações das nossas preocupações egoístas, que nos fazem passar como zombies pelo mundo, e olharmos atentos para os talhos, veremos filas de cordeiros e borregos pendurados, decapitados, esfolados e ainda a pingar sangue, oferecidos para serem o centro das atenções e do apetite das famílias no Domingo em que se comemora a Ressurreição de Cristo. Se estivermos conscientes e ligarmos os efeitos às causas, podemos imaginar o que se passa neste preciso momento nos matadouros, onde milhões de animais que como nós amam a vida e temem a dor e a morte são conduzidos ao abate impiedoso. Podemos imaginar quanta angústia e sofrimento de seres vivos e sensíveis como nós custam as iguarias que vão encher os pratos do Domingo pascal.
 
Tudo isto para comemorar a Páscoa. Mas o que é originalmente a Páscoa, para além deste sangrento e inconsciente ritual coletivo? Antes da saída dos hebreus do Egipto, a Páscoa foi a festa cananeia e pagã da Primavera, que celebrava a renovação da natureza. O mesmo aconteceu na cultura nórdica, como se documenta no Easter inglês e no Ostern germânico, nomes de uma deusa da aurora e da Primavera. A palavra Páscoa vem da palavra hebraica Pésah, provavelmente derivada do verbo pasah, com o significado de “saltar por cima (de um obstáculo)”. Tradicionalmente traduziu-se Pésah por “passagem” para evocar a lendária travessia do Mar Vermelho pelos hebreus no Êxodo do Egipto. Para este povo, a Páscoa é símbolo de libertação. No cristianismo, a Páscoa passou a ser o período, coincidente com a semana hebraica da Pésah, em que se comemora a Última Ceia, a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo, que significativamente foi assumido como o “Cordeiro de Deus”, oferecido em sacrifício para expiar os pecados do mundo. Com isto, a mensagem cristã é clara: Cristo vem pôr fim aos sacrifícios sangrentos de outros seres, humanos ou animais, para agradar a Deus ou aos deuses; em vez disso, o caminho é o da entrega de si, no sentido de romper o casulo da indiferença, morrer para o egoísmo e renascer ao serviço dos outros.
 
Mas a Páscoa, festa pagã da renovação, festa hebraica da libertação e festa cristã do dom altruísta de si mesmo, converteu-se hoje, para largos sectores da humanidade dita civilizada do século XXI, e sobretudo no mundo europeu-ocidental, num absurdo e monstruoso ritual de chacina e morte, em que milhões de animais são oferecidos em holocausto para agradar às novas divindades que são as multidões humanas escravas da gula, da ignorância e da insensibilidade e oferecer avultados lucros aos industriais da carne. Como sempre, alguns pensarão e dirão: “são apenas animais”. A esses recordo apenas as palavras do filósofo e compositor Theodor Adorno:
 
“Auschwitz começa sempre que alguém olha para um matadouro e pensa: são apenas animais”.
 
Não sejamos cúmplices deste novo e imenso holocausto. Enquanto não for sempre, que seja pelo menos na Páscoa. Que nesta Páscoa não deixemos que nenhum animal encha os nossos pratos e entre nos nossos corpos. Pois, enquanto o fizermos, estaremos a ser obreiros da violência e os nossos garfos estarão ligados, por fios invisíveis mas terrivelmente reais, à degola dos inocentes.

José Porfírio Santos

 

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